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#3 Quando o luto é uma luta.

De uma forma ou de outra todos passamos por perdas na vida, momentos de lutos. Podemos falar de «lutos» face à existência de perdas, abandono, ou separações, de pessoas ou situações na vida. Falamos aqui de luto pelo falecimento. Tema que nos tempos de pandemia nos parece importante abordar.

Falar de luto nunca é fácil. Não somente porque nos toca em memórias não esquecidas, mas também porque é um tema merecedor de profundo respeito, abordá-lo apenas à luz das teorias da psicologia parece-me sempre leviano ou desprovido do conteúdo tão significativo que tem.

Pois, num luto existe uma pessoa que sofre. Que, dependendo do momento (fase psicológica do próprio luto), poderá estar em diferentes estados emocionais e psicológicos. É comum ouvir-se dizer frases como “a vida tem que seguir” ou “tens que ter força”. Pois… isso sabemos. A questão que se coloca é: Como seguirá a vida sem aquela pessoa? Definitivamente a vida prosseguirá, mas não da mesma forma. Reinventa-se, renova-se, criará novos valores. A pessoa terá forças onde, de facto, desconhecia existir dentro de si, mas não conseguirá ver isso na dor.



Cada um tem o seu tempo para fazer o seu processo de luto, deve ser respeitado e considerado: há inicialmente um estado de a) negação do acontecimento, parece inacreditável; b) revolta pelo acontecimento, nesta fase procura atribuir culpas sobre o acontecimento, dificilmente será possível sentir conforto; c) estado depressivo ou depressão, aqui há consciência da perda, o sentimento da dor torna-se evidente para o enlutado e pode haver uma desistência -temporária- de si e da vida; d) aceitação gradual, a pessoa começa a aceitar que aconteceu, dá espaço e expressão à saudade e gradualmente permite-se preencher o vazio, pelo amor.



Toda a perda é significativa, mas o facto de a pessoa perspetivar que essa situação venha a ocorrer (ex, em situações de doença prolongada), permitirá uma forma de despedida, a qual não minimiza a dor, mas poderá mais tarde ser como que um apaziguamento emocional. Em situações inesperadas tal não é possível e este apaziguamento muitas vezes é feito pelo enlutado através de diálogos internos ou da escrita, que o permitirá transferir os seus pensamentos do que gostaria de ter dito. E no momento atual? Esta realidade torna-se mais dura, no sentido em que assistimos a perdas em grande número, e com contornos entre a impossibilidade de ver a pessoa querida antes da sua morte (casos em que está institucionalizada ou hospitalizada) e cerimónias fúnebres sem a possibilidade de suporte emocional e de despedida, como normalmente. Muitos dos familiares próximos, eles próprios confinados, não têm a oportunidade de despedida. E estes, na minha perspetiva, são os danos colaterais deste momento, em que, sim, agora, se valoriza a saúde mental e a sua importância no individuo e no todo social. Permanece-me na mente: e os profissionais que lidam diretamente com tantas perdas neste período de tempo? Como ficarão?

Ainda que em sofrimento pela perda, certamente estará mais pleno quem aceita e tem em si o cliché de que “viver implica morrer um dia” e que, como tal, o mais importante é viver realmente, mostrar o quanto se ama, dar suporte e apoio aos outros, deixar de focar-se apenas no seu egoísmo para perceber que há mais além de si mesmo, ser mais gentil, ter mais fé, pois sabe que nada está na sua mão, nada é definitivamente controlável e que a vida é sábia, ainda que não lhe saibamos entender os caminhos tortos.


Dra Anabela Vitorino Costa


 

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